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- Vamos, Sargento, diga-me que tentarás, tu podes arrumar as coisas para que a esse homem o matem.

Assim falava a mulher, séria, convicta, sem alterar-se. Ia de quarto em quarto, e da sala até o quintal das galinhas, de cima para baixo atrás de seu marido, espreitando-o, procurando e esperando a única resposta que ela esperava, a resposta que deixaria todos calmos...

- Não sou eu quem está pedindo, não é um capricho meu, por favor, entenda, é o povo todo que está revoltado. Não tenha dúvida: a princípio passaram dias desfilando em frente à porta, todos com a mesma solicitação. Até de Alagoas vieram com a real petição de que sem dúvidas, é definitivo e conveniente que a esse homem o matem.

Sargento também não se alterava, como se já estivesse acostumado a esse tipo de pressões, e seus movimentos e sua expressão davam a entender que simplesmente ignorava a sua mulher, pois não a estava levando tão a sério. Mas Aparecida não parecia disposta a dar-lhe trégua com seu entusiasmo nem muito menos desistir até conseguir a resposta do que ela procurava. A casa em que eles moravam era bem ventilada, com as telhas bem a porta, de chão de cerâmica, com três metros, com um longo corredor para o quintal e muitas plantas coloridas. A mulher ia de lá para cá sem parar de esgrimir seu argumento. Enquanto Sargento se acomodava a camisa oficial com botões dourados, e uma águia metálica sobre o bolso da camisa. Confirmou com cuidado a posição da pistola que levava ao cinto. Depois se observou com alguma demora através do espelho, e depois de tudo isso foi que disse:

- Com a cabeça quente a gente não fala senão bobagem - assegurou - depois se lhes passa o calor e até sentem lástima do presunto. Já conheço a história. Aí começam os choros e pouco a pouco terminam fazendo-se os desentendidos. Assim é a coisa, querida... e acaba que depois a carregam com um, falam que a gente treinou para isso, que um é bruto e blá ,blá ,blá, e tudo acaba nos "eu não fui".

E tudo o que falou o disse sério, com convicção, e sem alterar-se. Saiu do espelho com total domínio de suas ações e foi pelo corredor em direção ao filtro de água. O calor inclemente fazia que o suor se colasse à camisa e esta ficasse molhada como se tivesse tomado um banho com a roupa posta. Gotas de suor lhe caíam do couro cabeludo deixando um sulco em sua frente. Então foi que a mulher prosseguiu:

- Não raciocines assim. Sargento, pode ser verdadeiro o que tu dizes, não o nego. Pode ser que depois se façam os esquecidiços. Mas a diferença é que eles são outra coisa, são servidores públicos, costureiras, mecânicos, vendedores ou engenheiros, não são o que tu és, homem, não esqueças que tu és um Sargento Maior... Veja, marido, vem uma comissão de Tocantins, e falam o mesmo, Sargento, ao menos, faz isso por mim: tu podes escutá-los?

- Escutá-los... Eu posso escutá-los. Mas daí a que eu me incrimine com o sujeito já é outra coisa. Esse é o problema: Quem vai se incriminar com o indivíduo?

- Isso é o de menos. Olha, Sargento, já sabes de sobra o que fez esse homem que não é um homem senão que é um animal: não só “violou” as meninas, senão que as matou, e depois, Deus nos livre e nos ampare, comeu-se as vísceras das criaturas.

- Já sei tudo isso, querida, não é necessário que me repitas. Eu fui o que o obrigou a declarar.

Saiu de sua casa com o sol pendurado no céu. Caminhou duas quadras até o quartel. O vapor do calor quase levantava a central de polícia onde se encontrava destacado em serviço o sargento. Tratava-se de um edifício de tijolos rebocados com estuque, e a fachada bem pintada. Desde muito cedo as pessoas silenciosamente, como numa romaria, foram chegando às imediações da seccional e se instalando no perímetro protegido da central. A princípio surgiram só umas poucas, depois foi-se agregando uma quantidade mais considerável, e depois se formou uma multidão, de maneira que a central de polícia ficou cercada e vigiada por completo pela multidão. No interior do edifício, sob o ventilador metálico, o capitão estava em sua escrivaninha rodeada de seus homens, que iam e vinham. Ao fundo, numa jaula, algemado, com uma impressionante quantidade de hematomas, o acusado, em posição fetal, assustado, tampando a cara, sem expressão, sem fome, sem sede, sem nada. Tinha confessado no dia anterior, ainda que este fato da causa não era relevante, já que as provas que o incriminavam eram contundentes. O Canibal era um acontecimento sem precedentes nestes lados do mundo. Jamais se tinha produzido um fato tão apavorante. "Isso é coisa de gringo", diziam, enquanto muitos eram mais cortantes. Este desvio da natureza deve ser cortado pela raiz. Apesar de todo o acontecimento e sua comoção, nem o sargento nem o capitão nem nenhum de seus homens se alterou. Era como se devido à intensidade de seu ofício, tivessem perdido a capacidade de assombro. Conversavam como de costume, e até riam, enquanto o capitão assinava documentos sem ler em sua escrivaninha de madeira.
De repente o capitão se levantou, falando alguma coisa aos homens de dentro, acomodou suas calças, e deslizou a visada pela janela para a rua. Ficou olhando a multidão que rodeava o edifício. Com um lenço secou o suor de sua cara e mandou:

- Vão ver o que estão esperando para ir embora? Já levam toda a manhã aí...

Dessa mesma posição observou a dois de seus homens quando saíram para discutirem com a multidão quando procuraram os porta-vozes, viu os mais exaltados, a quem fizeram esse papel de líderes, também viu quando conversaram com um senhor muito velho e também com uma senhora gorda e muito brava que pareciam ter sido os primeiros a chegar. Aí estiveram alguns minutos e depois os viu regressar. O capitão não se moveu do lugar em que estava, e sem olhar os homens que de volta já estavam de novo frente a ele, perguntou-lhes o que essa gente estava esperando para irem embora.

- Querem escutar que soem os tiros! – disseram.

A multidão estava em silêncio, não tinha gritos nem cartazes. Só expectativa. O capitão não parecia assombrado pela atitude da massa. A verdade é que parecia ser um procedimento a mais numa vida cheia de procedimentos. Sargento chegou molhado de suor à estação, ainda que sereno e sorridente. O capitão lhe disse "Acompanhe-me", e os dois foram para onde as pessoas estavam localizadas. Olhou em direção aos interlocutores improvisados.

- A vida e a morte são coisas de Deus - lhes disse.


Ninguém contestou nada. A frase caiu no esvaziamento, pois mais do que um recurso para persuadir pareceu só uma breve declaração de convicção. O capitão pareceu olhar para a gente como tentando identificar a alguém, e isso mesmo estava fazendo, pois quis conhecer a opinião de algum familiar do detento. Mas não tinha ninguém do prisioneiro. Ao menos não encontrou nem uma cara de lástima. Sargento não lhe disse nada do que já insistentemente lhe estava propondo sua mulher, pois deduziu, e com bom sentido comum, que da mesma forma que estava sucedendo a ele, a família dele também estava pressionando. O capitão sem perder a compostura ia daqui para lá observando o grupo de gente, toda contida por trás das cordas de segurança. Sargento o seguia também examinando a multidão. O capitão lhe falou:


- Nem todo este sol cruel afugentará a esta gente - lhe disse.
- Esta é a verdadeira revolução das massas - contestou.


O capitão sorriu, depois encolheu os ombros e ficou meditando. Voltaram ao interior do edifício que ocupava a central de polícia. Aí, o capitão pediu em voz alta que lhe trouxessem os familiares do detento, sem referir-se a algum agente em especial, como se fosse uma ordem para ser executada por quem quisesse. Sargento tomou o pedido para si, e como o destino o tinha dado todos os detalhes do caso, até os mais sórdidos, inclusive da reação da parentela do imputado, respondeu de imediato ao pedido do capitão:


- Sua família diz que o sujeito não tem família. O capitão coçou a nuca, tomou do bolso um lenço e passou pausadamente, pelo rosto suado. Falou-lhe de novo a Sargento:


- E agora vais dizer-me que o juiz diz que “não sabe, não responde”? - disse o capitão –

- A verdade é como já lhe disse, meu capitão, o senhor juiz foi muito explícito que não quer vê-lo por lá.

- A mim? – perguntou o capitão.
- Ao senhor não, senhor.
- A quem? – insistiu.
- Ao confesso, meu capitão.

Na madrugada do dia seguinte, já de dia, ainda não se levantava o sol pelo horizonte, enquanto nascia outra manhã diáfana de junho, várias pessoas, entre elas alguns efetivos policiais e gente da que estava posicionada, começaram a queimar foguetes como se queimam em São João. Mal amanhece, e, diga-se de passagem, que ninguém soube mais do caso do detento, porque ninguém falou nunca mais sobre isso, até agora que o estou recordando... Não lembro se foi para celebrar a festa de São João ou a queima de foguetes se fez para que não se escutassem os tiros.

Texto agregado el 31-07-2008, y leído por 127 visitantes. (0 votos)


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