Há algum tempo tenho pensado em deixar por escrito, especialmente, para os meus filhos e posteridade, algumas coisas de mim. Visto que a rotina vai consumindo muito da gente e em virtude de hoje em dia já não se cultivar mais o bom hábito das conversas em família (infelizmente esse fato ocorre e gradualmente toma chão em minha casa).
Atualmente dedica-se, da criança ao adulto, mais tempo aos amigos virtuais que à própria família ou a boa vizinhança. Sentar à calçada para jogar um pouco de conversa fora ou simplesmente ver a vida passar é comportamento tão incomum que para alguns, e nalgumas partes isso causa risos ou então é coisa da agente da parte de cima do país, ou coisa de matuto pensamento negligente e preconceituoso.
O contar histórias, ou ouví-las, parece que para muitos é um passa-tempo aborrecedor Eu que me criei ouvido, rindo-me e criando na minha imaginação personagens e cenários das histórias que me contavam, meu pai, por excelência Era uma espera gostosa a hora que meu pai sentava-se na cadeira de espaguete para contar mais uma das suas (esse ritual de sentar e contar história ocorria quase que diariamente e isso acontecia após a chegada dele em casa; depois um dia puxado, imagino, de trabalho como motorista de firmas de construções de engenharia Ele tomava um belo banho, jantava e nem bem terminava de comer já o levávamos à cadeira. Na minha memória ainda o cheiro meu pai: uma mistura do aroma do sabonete vale-quanto-pesa, óleo diesel, cigarro e algo aguardente. Misturinha esdrúxula, mas que não importava no contexto do querer bem. O melhor de tudo é que havia uma magia encantadora em tudo isso. Meu pai gostava de reinventar ou cortar ao meio as historias - acho que louco para acabar com o suplicio e ir-se aos finalmente, digo cama e esposa, que é o que mantém o pião de obras disposto, com certeza. Aos meus irmãos isso passava despercebido ao passo que a mim com espírito desde cedo muito perspicaz e contestador, agora percebo conduzia a situação ao meu bel prazer ficando meu pai à minha disposição, coisa que ele sempre me consentiu. Então ele contar uma e outra, e mais outra. E assim eu era vencida pelo sono e aconchegada ao seu colo dormia sem querer mais da vida.
Minha mãe, austera, naquela época de minha meninice, também, nos, a mim e aos meus irmãos, dava o prazer de contar historias. As fabulas, ouvidas quando ela era menina, através de uma professora de religião, sempre foram as suas favoritas, até hoje diante que eventuais ocorrências as usa para ilustrar uma conversa, conselho ou reprimenda. Quase nunca, que me lembre, tomava assento estava sempre às voltas com algum que fazer. Costumava contar suas histórias enquanto passava roupas, entre uma soprada e outra, nos fundilhos do velho ferro de brasas velho, literalmente, de tão velho que era já se encontrava jogado ao lixo (mas, esta é uma outra história que contarei adiante). Como a tendência feminina leva às narrações melosas e dramáticas, as histórias contadas por minha mãe não fugiam à regra.
Assim cresci muito próxima das narrações e dos meus familiares os quais dedicam a mim um carinho enorme que me enche de satisfação o que me leva a dizer com orgulho a todos quanto conheço que sou, muito, querida no seio da família. Fato este que serviu para me predispor ao cuidado e carinho que, também, tenho por todos, embora eu seja muito incisiva quando algo do comportamento dos meus entes mais queridos me incomoda. Contudo, sou uma manteiga derretida se alguma desventura lhes passa ou extremamente cortante caso alguém os diminui diante de mim.
Gostaria de ser menos coração nesse assunto de família, mas, acredito que mesmo que eu venha a me doutorar em sentimento antifamiliar ou em qualquer coisa com total desprendimento dos laços familiares creio que ainda ficará em mim o sentimento latente e na primeira oportunidade lá estarei eu de volta ao comportamento já tão internalizado.
Obs.: deixo como introdução de minhas memórias estes pormenores.
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